A (não) nova questão da semana de trabalho de 4 dias 

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A (não) nova questão da semana de trabalho de 4 dias
ARTIGOS DE OPINIÃO

A (não) nova questão da semana de trabalho de 4 dias

A discussão em torno da implementação da semana de 4 dias de trabalho não é consensual. Neste artigo, analisamos esta tendência ao nível de Recursos Humanos, testada em vários países e empresas no mundo. Questiona-se, assim, se não será tempo de, em Portugal, começarmos a repensar o nosso modelo de tempo de trabalho?

Recentemente, a semana de 4 dias de trabalho, tem sido uma das tendências mais abordadas ao nível de Recursos Humanos.

 

Em Portugal, como é consabido, no regime privado, a definição de tempo completo de trabalho corresponde a 40 horas semanais e 8 horas diárias.

 

Sem prejuízo, o Código do Trabalho já admite soluções como o horário concentrado – em que se permite concentrar a jornada de trabalho em 4 dias, aumentando-se o período normal de trabalho diário para 10 horas -, bem como o trabalho a tempo parcial, sendo neste caso a retribuição do trabalhador adaptada ao número de horas prestadas.

 

Contudo, recentemente, em Espanha encontra-se em discussão um modelo de trabalho semanal de 4 dias, mantendo-se o mesmo número de horas de trabalho diárias, sem perda de retribuição.

 

Se quisermos pragmatizar, em Portugal, isto significaria os trabalhadores prestarem, semanalmente, 32 horas de trabalho, 8 horas diárias, distribuídas por 4 dias, sendo 3 os dias de descanso.

 

Não obstante esta discussão de novo nada tem. Atente-se alguns exemplos, a nível mundial, sobre o tema: Em junho de 1998, a França implementou uma redução de horário de trabalho para 35 horas semanais;

 

Nos Estados Unidos da América, em 2016 a Treehouse, uma grande empresa de tecnologia de RH, implementou um modelo de semana de trabalho de 4 dias;

 

Também na Suécia, em 2015, foi desenvolvido um estudo sobre a matéria na cidade de Gotemburgo; Na Nova Zelândia a Perpetual Guardian, empresa liderada por Andrew Barnes, também testou a semana de trabalho de quatro dias em 2018 durante dois meses (no seu livro “The 4 Day Week”, Andrew Barnes explica como este modelo deixou mais felizes e produtivos os seus trabalhadores).

 

A Unilever Nova Zelândia anunciou igualmente em 2020 que iria tentar uma semana de trabalho de quatro dias com o pagamento integral. Nesse mesmo ano, a primeira-ministra neozelandesa, Jacinda Ardern, sugeriu que os empregadores ponderassem uma semana de trabalho de quatro dias e opções de trabalho flexíveis.

 

No Reino Unido, também algumas empresas tentaram a semana de trabalho de quatro dias; Na Irlanda, uma empresa de recrutamento e formação chamada ICE Group introduziu uma semana de quatro dias para os seus colaboradores em julho de 2019.

 

No Japão, a Microsoft testou um projeto-piloto chamado Work-Life Choice Challenge Summer 2019. Também o Partido Liberal Democrata japonês propôs uma semana de trabalho de quatro dias e, por extensão, um fim de semana de três dias.

 

Na Finlândia, em janeiro de 2020, a primeira-ministra sugeriu uma semana de trabalho de quatro dias com seis horas de trabalho, mas a proposta foi rejeitada.

 

Vários outros exemplos poderiam ser dados, percebendo-se, assim, que esta é uma questão há muito suscitada, discutida e testada em vários países e empresas no mundo.

 

Ora, a alteração recentemente discutida em Espanha pressupõe, evidentemente, a manutenção das condições retributivas.

 

E, como se prevê, será este um dos grandes entraves à sua não aceitação por parte da maior parte das empresas portuguesas, atendendo especialmente a dois motivos: a) à baixa produtividade do trabalho por hora trabalhada em Portugal; e b) ao facto de o nosso tecido empresarial ser em grande parte constituído por PME’s, resultando tal modelo num elevado esforço financeiro para as quais as empresas portuguesas não têm tesouraria.

 

No entanto, vários são os estudos que apontam para as vantagens da semana de 4 dias de trabalho, verificando-se uma redução do stress, aumento da produtividade e colaboradores mais felizes e empenhados.

 

Questiona-se, assim, se não será tempo de, em Portugal, começarmos a repensar o nosso modelo de tempo de trabalho?

 

Será que esta discussão fará sentido no momento presente em que diversas empresas tiveram de adotar (e pretendem manter) um regime (total ou parcial) de teletrabalho – devendo antes discutir-se uma nova regulação para este regime? Acresce que o modelo em discussão não funcionará para todas as empresas, para todos os sectores, nem para todos os trabalhadores.

 

Ainda, não podemos deixar de destacar o rumo que a quarta revolução industrial irá tomar. A inteligência artificial pode dispensar a necessidade de trabalho humano.

 

Em 1928, o economista britânico John Maynard Keynes previu que em 2028 (portanto, daqui a 7 anos) a semana de trabalho teria apenas 15 horas, três por dia. O erro de cálculo é evidente, mas Keynes não falhou na tendência.

 

Facto é que a presente temática tem merecido, ao longo dos anos, a análise e desenvolvimento por diversos países e empresas, sendo Espanha o mais recente país a aprovar a implementação de um projeto piloto para perceber a eventual existência de benefícios – para empresas e trabalhadores – deste modelo de tempo de trabalho, pelo que, com os resultado do mesmo e com as soluções legislativas que daí possam advir, poderemos ainda vir a assistir, no nosso ordenamento jurídico, aos primeiros passos nesta discussão que não se revela consensual.

 

De resto, sendo certo que causa sempre alguma estranheza, designadamente no mundo industrial, somos da opinião que se trata de um regime que, para ser profícuo, carecerá igualmente da implementação por parte de empresas com alguma dimensão e relevo, por forma a que, as demais, possam verificar os resultados – espera-se – positivos e, nesse sentido, se sintam mais confortáveis para avançar nesse sentido.

 

Em Portugal, algumas já começaram a dar os primeiros passos na implementação de soluções de flexibilidade, a título de exemplo a Xerox Portugal, a Worten, a Blipp e a JLL.

 

Em suma, sempre deverá ser tido em consideração que, em função da evolução da tecnologia, e o desenvolvimento da inteligência artificial, esta é uma realidade tangente, à qual, em rigor, não deveremos ser alheios, procurando outrossim potenciar a sua máxima utilidade.

 

Autores: Luís Gonçalves Lira, Associado Fundador da JALP e Advogado da PRA e Sérgio de Mesquita Dinis, Associado Fundador da JALP e Advogado da PRA.